Sempre é necessário virar a página

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Sento-me em frente ao computador buscando palavras que inspirem.

Devo confessar que esse tem sido meu exercício preferido já há algum tempo, principalmente ao considerar que estava em meio ao processo de entrega de tese de conclusão de curso, ou como é mais conhecida, a Monografia.

Mais do que estar acostumada a sentar diante do computador, ou de uma folha em branco, esse tempo que dediquei a um dos trabalhos mais importantes de minha vida, fez com que eu refletisse sobre muitos assuntos, principalmente sobre as mudanças de fases que cercam a vida humana.

No mundo, estamos em constante processo de transformação todos os dias. Estamos (ou pelo menos deveríamos estar) adaptados às mudanças cotidianas que ocorrem, desde os grandes acontecimentos imprevisíveis, até as mudanças básicas como as relações interpessoais e as mudanças climáticas. Mas a realidade é que quando nos acostumamos com os fatos que cercam nosso cotidiano e as mudanças de repente acontecem, bem lá no fundo, nasce uma sensação no mínimo estranha.

Sempre tive uma dificuldade enorme para encarar as mudanças. Talvez por apegar-me demais aos ambientes, aos fatos e às relações estabelecidas com as pessoas que conheci, talvez por sempre buscar o lado positivo, inclusive em acontecimentos que me fizeram chorar, ou simplesmente por não esconder meu lado humano demais para dizer que não sofro minimamente com a mudança de fase…

Fato é que em cada momento da minha vida, principalmente durante minha caminhada escolar, cada mudança de fase provocou em mim um vazio, ainda que esse vazio fosse preenchido posteriormente. E dessa vez, não está sendo diferente.

 Costumo comparar esse fato com a leitura de um livro que supera as expectativas. Aquele livro que enquanto estamos lendo pode apresentar certas dificuldades, novidades, mas que realmente é capaz de cativar nossa atenção. O mesmo receio de ter que virar a página, deixando para trás cenas memoráveis que compõem a história, é a dificuldade que tenho em aceitar as mudanças, em cumprir uma etapa.

Entendo que as transformações proporcionadas pelo tempo são necessárias para o desenvolvimento humano e para a sequência da vida no mundo, mas saber disso não impede que eu desenvolva em meu interior uma emoção, ao lembrar-me dos bons momentos vividos e dos aprendizados, de cada uma das linhas escritas que formaram a história.

As transformações acontecem, como registram os versos atemporais do nosso inesquecível Camões ao dizer “todo mundo é composto por mudanças/ tomando sempre novas qualidades”, e é por esse motivo que precisamos aceitá-las, administrá-las em nosso íntimo como uma necessidade para continuarmos vivendo.

Como um livro precisa ser substituído por outro, nossa vida também é composta por etapas que precisam terminar para que outras comecem. Entretanto, virar a página de uma obra não significa que nos esquecemos da história lida, mas sim que ela já faz parte de nosso pensamento, de nossa memória e já está marcada em nós, podendo trazer boas lembranças e saudades.

Sim. Precisamos dar lugar a novos livros na nossa estante, mas isso não significa que os livros já lidos serão esquecidos… Afinal, eles sempre estarão lá, trazendo recordações inesquecíveis, prontos para serem lidos outra vez.

manuela-velloso

Onde você está hoje, caro leitor?

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Eu estou visitando Atenas, mas ainda ontem estava na Pérsia, começando na semana passada por Mileto, mais especificamente em 450 a.C.

Tudo isso usando apenas um único meio de transporte: A glória que passou, da escritora britânica Taylor Caldwell, onde é contada a história de amor de Péricles e Aspásia, duas figuras históricas e muito reais que mudaram a história da Grécia.

Entretanto, hoje não é sobre o casal revolucionário de quem venho falar, mas sim sobre o poder do livro de nos convidar a fazer viagens extraordinárias.

Fui uma criança muito imaginativa e desde bem cedo tomei gosto pela leitura.

Lembro-me bem de uma vez em que cismei que queria viver dentro dos quadrinhos de Maurício de Sousa e ser vizinha da Mônica. Abri todos os meus gibis espalhando-os pelo meu quarto e comecei a rezar, realmente acreditando que quando abrisse meus olhos estaria lá dentro da minha casinha colorida na Rua do Limoeiro.

Mas quando abri meus olhos ainda estava aqui, nesse nosso mundo, bem mais complexo que uma criança às vezes pode sustentar. Foi naquele dia que decidi que a leitura me levaria a muitos lugares, mesmo que dentro da minha cabeça.

E LEVA!!

Já fui a Paris resolver um grande mistério, a Roma encontrar antepassados do dono de um amuleto, à Carolina do Norte viver um romance pra vida toda, a Seattle investigar um estranho assassinato. Andei de gôndola por Veneza, fui presa na Irlanda e socorri soldados no Vietnã.

 E como se não bastasse viajar, também me vesti de cada personagem, sofrendo suas mazelas e mergulhando em suas paixões. Pus muitas vestimentas, derrubei lágrimas e consegui viver detalhadamente cada cenário, cada país, cada toque, cada cheiro.

Hoje de manhã, do trânsito do Rio de Janeiro nada vi, pois pela janela do ônibus só avistava os campos claros e as casas brancas com seus telhados vermelho-terra da antiga e ascendente Atenas. Hoje de manhã, eu era somente a realidade de milhares de anos, de centenas de linhas e profundas descrições.

E você? Onde estava, caro leitor?

fernanda-candido

Top 5 dos escritores: GRACIELA MAYRINK

TopEscitores

 

Graciela MayrinkA escritora convidada dessa semana é Graciela Mayrink, autora dos livros Até Eu te Encontrar(2013), A Namorada do Meu Amigo(2014) e Quando o Vento Sumiu(2015) e participou de antologias como O Livro Delas(2016) e Contos de Carnaval(2014).

Carioca, morou alguns anos em Viçosa e Lavras, onde ela estudou Agronomia e Fitopatologia, respectivamente. Mais tarde, essas cidades seriam cenários de seus romances. Continuar lendo

Lugares preferidos para escrever: PERTO DOS LIVROS

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Queridos leitores do Librorum Blog,

Depois de um tempinho sem compartilhar com vocês minhas maluquices ou manias sobre onde gosto de escrever, trago nessa postagem mais um lugar, que não é especificamente um lugar físico, mas um lugar que se torna preferido pela sua construção.

Depois de contar do meu quarto e dos lugares que tintilam, chegou a vez de contar sobre escrever perto de livros. Continuar lendo

As histórias que vivem em nós

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Esses dias encontrei uma vizinha no play do meu prédio, uma senhora bem jovial de 82 anos.

Estava se mudando, ia agora viver com o filho mais novo, dizia ela, para cuidar dos netos (e ser cuidada).

Dona Alaíde, sempre muito falante, estava sentada ao lado de duas caixas que haviam sido carregadas até ali pelo zelador do prédio e desatou a me contar o que guardava depois desses mais de 20 anos vivendo sem o marido.  Apenas ela, seu charutinho e uma coleção invejável de livros. Continuar lendo

BASTIDORES DA ESCRITA: Uma pequena grande mudança

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Desde que eu tive a primeira ideia, várias vezes fiquei em dúvida se As Teias de Chawon iria ser uma duologia ou uma história de volume único. Queria que fosse uma duologia por ter coisas demais no planejamento para caber num único livro. Iria acabar ficando superficial, e isso é algo que eu realmente não vou aceitar. Queria que fosse uma história de volume único porque eu sentia que a história do Lukas e da Diana iria dar mais certo se acontecesse num só livro.

E, de certa forma, consegui transformar as duas vontades numa só.

E a culpa é de um mapa. Continuar lendo

Lugares preferidos para escrever: QUARTO

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Inaugurando essa série de postagens onde falarei sobre os lugares que considero ideais para escrever, apresento a vocês, caros leitores, meu quarto.

Pode parecer um tanto clichê gostar de seu quarto para exercer a escrita, já que muitos não possuem um escritório para isso (Falarei do escritório futuramente), mas meu quarto é, sem dúvida, meu laboratório para escrever. É nele que tenho meus livros de teoria literária, caso eu precise consultar a estrutura de algum gênero; minhas gramáticas, caso eu precise relembrar alguma regra, ou até mesmo transgredi-la; meus outros livros literários, para saber se não estou “plagiando” ninguém; meu dicionário comum ou o de sinônimos, caso eu precise tirar alguma dúvida do significado de alguma palavra, ou queira encontrar uma similar. Viu só? Meu quarto é cheio de ferramentas muito úteis quando quero escrever uma nova historia.

Sem contar que tenho certo toque com isso. Se minha mesa estiver muito bagunçada, acabou. A ideia até some e, ou eu tenho que arrumar a mesa correndo, ou a ideia se esvai no mundo das ideias. Algumas vezes eu demorei um dia arrumando meu quarto –isso mesmo, um dia- para conseguir a arrumação ideal, que me agradasse e me ajudasse a construir tal historia. Outro toque é com minhas miniaturas. Algumas delas têm que estar presentes, ou eu tenho que olhar para elas. Quando não as tenho, me contento com as figurinhas coladas em meu notebook. Um pouco estranho, não acham? Sim, totalmente estranho!

Diferente de muitos, ou melhor, de grande parte dos escritores, não consigo escrever comendo ou bebendo algo. Pelo menos não no meu quarto. Se tiver que fazer, faço na pausa da escrita, ou quando termino. Acho que não me concentro fazendo duas coisas que amo muito. (rsrsrs)

Para ter ideia de como prefiro meu quarto, eu fiz três mesas, isso mesmo, três mesas diferentes para servirem de suporte ao meu notebook enquanto escrevo. A primeira meu pai que colocou para mim. É feita de mármore e é bem grande. Hoje ela abarca não só meu notebook, pois voltei para ela, mas minha televisão (que no momento é um trambolho de tubo de 20’’) e alguns livros da faculdade. A segunda eu fiz de madeira e depois a envernizei. Enjoei rápido dela e, com a ideia de alguns amigos, encapei-a com quadrinhos e depois lasquei verniz em cima. Ficou uma graça, mas mesmo assim não a uso para tais fins. A terceira e última – espero que seja a última nessa casa- é uma antiga mesa de computador que ressuscitei para escrever. Limpei bem a nova candidata e usei durante alguns meses. Foi nessa última que escrevi a postagem das “Ideias Kafkianas” e a sobre Monteiro Lobato. Conclusão… Depois de rodar de mesa, voltei para a primeira esposa. (rsrsrsrsrs)

Enfim, ficou um pouco grande, mas deu pra ver que meu quarto é o cantinho mais querido para escrever. Espero que tenham gostado e aguardo os comentários. Quem sabe você não é louco como eu?

Um caloroso abraço, daqui, da minha mesa de mármore.

mv-delgado

A vista do Poeta

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Foto de Alexandre Macieira (www.turismo.gov.br)

Sentada em Copacabana, ao lado de Drummond, com seus óculos ausentes e provavelmente furtados novamente, vi-me a divagar sobre o carnaval aos olhos de um poeta.

Emblemáticos no Rio, o carnaval e a poesia caminham lado a lado sem que ao menos percebamos seus ares envolvendo-nos.

Ao nosso lado, duas meninas distraídas vestidas de abelhas observavam rapazes do outro lado da rua. Drummond acompanhava a cena pelo canto dos olhos e quase posso atestar que vi um sorriso torto.

“O homem e seu carnaval” passeavam entre nós, entre as calçadas, a rua e o mar. Entre o sorriso largo das meninas, minha curiosidade e a imaturidade desatenta dos rapazes. Todos embriagados, como inspira a véspera de um carnaval que já dobra as esquinas do Rio.

Já conseguimos sentir a cidade abraçando o mundo e o ar quente que aproxima a todos nessa época.

Drummond é mineiro, mas sabe que o Rio de Janeiro é o lugar mais lindo do mundo em fevereiro. E eu, começo agora a entender o que significa isso.

O poeta de bronze cerrou seus olhos, que provavelmente míopes, careciam dos óculos roubados. Observamos atentamente o balançar de lantejoulas e as saias que despejavam purpurina com cada passada. Encontraram-se diante dos olhos cegos do senhor curvado e taciturno cuja presença já pertencia à paisagem.

Um piscar de olhos, mãos cruzadas e feita poesia de carnaval. Simples e sem palavras, apenas corpos e sensações na claridade de um lugar que não julga foliões que atravessam-se entre beijos.

Abri no quinto capítulo um livro de Taylor Caldwell e ficamos quietos por um bom tempo, deixando passarem sem atenção os outros jovens arrastados pelo frenesi dos blocos. Naquela altura de Copacabana não havia muito barulho, apenas o vestígio de confetes da festa que acabara de desfilar. Mesmo com o sóbrio som embalado apenas pelos ruídos da praia, não conseguia me concentrar. Drummond continuava sua eterna contemplação com seus olhos embaçados.

Quantos beijos anônimos ele presenciaria ao longo do carnaval? Quantas poesias mais escreveria sobre as serpentinas brilhantes? Quantos novos contos mereceriam sua inspiração?

Ele estava ali, aguardando mais um passear juvenil sob o calor intenso de fevereiro, envolto em sua concentração abissal.

E enquanto os blocos correm, ficamos nós e nossos poemas, romantizando os confetes deixados no asfalto e nos deixando flutuar com a brisa quente tão brasileira.

Enquanto isso, o senhorzinho observador da festa, que me deixa sempre divagando diante de seu silêncio, quereria papel para um novo verso ou apenas seus óculos de volta?

fernanda-candido